Um vice-presidente forte
Papel dos vices sempre teve seu protagonismo questionado na política brasileira

Há muito tempo na política brasileira, o papel dos vices é questionado quanto ao seu efetivo protagonismo diante das estratégias eleitorais e a relação que devem ter após eleitos com os titulares dos cargos eletivos em disputa, dosando não torná-los “decorativos” e devendo mantê-los com baixa expectativa de entrarem efetivamente em campo, evitando a cobiça pela titularidade do cargo.
Desde a reta final da campanha presidencial, Lula (PT) e o seu candidato a vice-presidente, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) deram sinais de que estavam convencidos que, caso eleitos, deveriam ter um governo de coalizão com mais equilíbrio político entre as forças governativas, sem um “hegemonismo” dos petistas, algo essencial para a chegada de novos apoiadores ao longo do primeiro e do segundo turno.
Ao acenar a necessidade de uma frente ampla pela democracia contra o bolsonarismo, Lula teve em Alckmin um aliado político experiente e destacado para assumir as articulações com setores da sociedade civil e da classe política que se mantiveram distantes do PT desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), confirmando uma chapa com compromissos ideológicos convergentes com o centro e a direita democrática.
Esta estratégia deu certo, garantindo a eleição de Lula contra o primeiro presidente desde 1998 que fica pelo meio do caminho sem conseguir se reeleger. O compromisso de Lula de construir um governo mais plural se deu no dia seguinte à vitória: a sua fórmula governativa de uma transição com todas os aliados rompe com o modelo do atual presidente, o qual a concentração de poder e o desequilíbrio entre as forças partidário-regionais ditaram as regras na composição do seu governo. Basta lembrar que Bolsonaro buscou na nomeação de membros das Forças Armadas um claro sinal de que pretendia aparelhar e cooptar militares como atalho para constranger as instituições.
O início da transição do próximo governo apresenta algumas estratégias: a) com Alckmin liderando a transição, Lula usa um líder “nativo” da direita para negociar pactos e compromissos com segmentos que agora necessitam com cautela de uma reaproximação do grupo político vencedor; b) um vice-presidente fortalecido desde a transição legitima o retorno de um presidencialismo de coalizão que confira previsibilidade nas decisões e estabilidade política a curto prazo; c) colocar o vice-presidente na coordenação da transição reforça o peso que esse momento exige na reconstrução de todas (eu disse todas!) as políticas públicas para que o próximo governo de fato inicie; d) por fim, termos um vice-presidente do Sudeste é o retorno a um padrão recorrente desde a redemocratização. A região concentra nada menos que 42% do eleitorado nacional.
*Cláudio André é Professor Adjunto de Ciência Política da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e um dos organizadores do “Dicionário das Eleições” (Juruá, 2020). E-mail: claudioandre@unilab.edu.br